CARTÕES-POSTAIS

Cartões postais são uma forma de correspondência simples, rápida e barata. Foram criados em 1869 para compartilhar lembranças de lugares distantes. Suas fotografias estamparam na imaginação popular uma ideia de cada cidade. Neles, imagens e textos registram laços entre pessoas e lugares. Essas memórias são também correspondências entre passado e presente.

PASSADO E PRESENTE EM CORRESPONDÊNCIA

Fotografias são objetos de especial interesse para o Museu Paulista da USP. Nas últimas décadas, seus curadores ampliaram consideravelmente essas coleções, que incluem, hoje, mais de 4 mil cartões postais. Por que eles foram parar em um museu? Esta pergunta tem mais de uma resposta. 

As séries de cartões postais do Museu Paulista da USP capturaram diversas cenas do crescimento da cidade de São Paulo e de outras cidades paulistas ao longo do século 20, por exemplo. As técnicas de fotografia, impressão e comercialização dessas imagens revelaram também a história dos fotógrafos e da fotografia no Brasil. As palavras inscritas por habitantes e visitantes fixaram nos postais memórias de vivências pessoais e de impressões sobre a vida urbana. Essas camadas de significados sobrepostas sobre os cartões postais fizeram deles símbolo, metonímia e metáfora das cidades que ficaram gravadas em nossa imaginação. Daí sua importância histórica. 

SÃO PAULO EM LONGA EXPOSIÇÃO

A coleção de cartões postais do Museu Paulista contempla uma série histórica de imagens com enorme potencial para a pesquisa sobre a cidade de São Paulo. Ela mostra a sua intensa transformação urbana da capital paulista em poucas décadas: ruas de terra sendo cobertas por ferrovias, calçadas e avenidas; carroças sendo substituídas por bondes, trens, ônibus e automóveis; sobrados dando lugar a altos edifícios.

Entre eles há cenas, hoje impensáveis, como as lavadeiras na Várzea do Carmo antes da construção da Avenida do Estado, os atletas do Clube de Regatas do Tietê antes da abertura da Marginal e a Figueira Brava. Outros celebraram eventos extraordinários como a Revolução de 1932 e a chegada de um Zeppelin alemão em 1936. 

Há fotografias de equipamentos públicos como o Museu Paulista, a Estação da Luz, o Theatro Municipal, o Monumento à Independência, o Estádio do Pacaembu, o Parque do Ibirapuera e o Aeroporto de Congonhas, e outros que já não existem mais, como o Jardim da Infância da Escola Normal (na Praça da República), o Palácio do Governo (no atual Pátio do Colégio), e o Theatro São José e o Palacete Anchieta (ambos no Vale do Anhangabaú). 

Nos anos 1950, os fotopostais consagraram a imagem de São Paulo como uma metrópole moderna mostrando os edifícios Altino Arantes (o Banespa), Martinelli e Banco do Brasil, os primeiros arranha-céus da cidade, e vias movimentadas repletas de automóveis como as avenidas 9 de Julho, Ipiranga e São João.

POR TRÁS DAS CÂMERAS

A primeira série de cartões postais da cidade de São Paulo foi lançada em 1897 pelo Estabelecimento Graphico V. Steidel & Cia. O sucesso foi imediato. Até os anos 1910 o fotógrafo suíço Guilherme Gaensly (1843-1928) já havia publicado mais de 100 postais com imagens de obras de modernização da capital paulista e de outras cidades. 

Nos anos 1920, fotógrafos como Theodor Preising (1883-1962), Gustave Prugner (1884-1931) e Sulpizio Colombo (1888-1970) foram além das vistas urbanas. Preising fotografou o café das plantações ao embarcar no Porto de Santos, chegando a ir a pé de Paranapiacaba até Cubatão para fotografar a ferrovia. Prugner registrou a Revolução de Julho de 1924 e seu filho Mário, as festividades do IV Centenário da cidade de São Paulo. Colombo fotografou cidades do interior e do litoral, incluindo os hotéis onde se hospedava.

Em 1955 a Foto Postal Colombo foi assumida pelo seu filho Alfredo que, com avião próprio, fez fotografias aéreas de várias cidades, incluindo a construção de Brasília.

Werner Haberkorn (1907-1997) abriu o estúdio Fotolabor em 1940 para fazer catálogos fotográficos de produtos da indústria e comércio, fotocópias e cartões postais. Fotógrafo amador, soube capturar a modernização da cidade de São Paulo ao longo de 20 anos. Em suas fotos, vemos arranha-céus e avenidas abrindo o espaço para automóveis. Sensível também à cultura urbana, suas imagens de times de futebol eram grandes sucessos de venda. Quando a seleção brasileira foi campeã da Copa do Mundo de 1958, o estúdio funcionou dia e noite fazendo os postais do time campeão para atender às centenas de interessados que fizeram fila na porta. 

Técnicas de impressão

Os primeiros postais eram feitos em cromolitografia: o negativo era transferido para uma matriz em pedra litográfica e cores eram adicionadas. Gaensly fazia fototipias: uma matriz de gelatina fotossensível que “carimbava” as fotos no papel. Preising, Prugner, Colombo e Haberkorn usavam papéis fotográficos produzidos por Conrado Wessel e Domingos Bove. Esses fotopostais entraram em declínio nos anos 1960 com o surgimento da impressão offset.

LEMBRANÇAS POSTADAS, MEMÓRIAS COMPARTILHADAS

Ao viajar, fotografamos os “cartões-postais” das cidades onde estivemos, postamos imagens e marcamos pessoas. Novos lugares são assim apropriados por nós como parte de nossa experiência pessoal. Compartilhamos as lembranças mais marcantes da jornada com quem é importante para nós: familiares, amigos, amores. É como se nossas postagens reduzissem a distância entre os lugares que visitamos e os que habitamos, entre nós e os que ficaram, entre o passado e o presente. Quando reunidas em um museu, essas memórias em forma de texto e imagem nos revelam histórias entrecruzadas de laços entre pessoas, lugares e tempos.


Para Saber Mais

ARAÚJO, Nuno Borges de. A Fotografia e o postal ilustrado: origens e influências. Braga:
CECS – Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, 2017.
http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/cecs_ebooks/article/view/2545/2455

KRAUSS, Vivian Wolf. Laboratório, estúdio, ateliê: fotógrafos e ofício fotográfico em São Paulo (1939-1970). 2013. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.  Acesso em: 2022-10-19.
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012014-121717/pt-br.php

LEMOS, Eric Danzi. Fotografia profissional, arquivo e circulação: a produção de Theodor Preising em São Paulo (1920-1940). 2016. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. 
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-16082016-105107/pt-br.php

VELLOSO, Veronica Pimenta. Cartões Postais: imagens do progresso (1900-10). In:
Imagens • Hist. cienc. saude-Manguinhos 7 (3) • Fev 2001.
https://doi.org/10.1590/S0104-59702001000600007

VOKES, Richard. Reflections on a Complex (and Cosmopolitan) Archive: Postcards and
Photography in Early Colonial Uganda, c.1904–1928.History and Anthropology, Vol. 21, No. 4,
December 2010, pp. 375–409.
https://doi.org/10.1080/02757206.2010.520888

curadoria por:

Marcelo Cardoso de Paiva

Marcelo Cardoso de Paiva é historiador formado pela FFLCH-USP, mestre e doutor em e
História e fundamentos da arquitetura e do urbanismo” pela FAU-USP. É autor de “Entre a
lembrança e o esquecimento: memória, história e patrimônio cultural afro-brasileiros.” REVISTA
BRASILEIRA DE HISTÓRIA (IMPRESSO) , v. 41, p. 57-80, 2021; e Patrimônio, democracia e
desenvolvimento: as políticas de preservação do Iphan após a criação do MinC . Revista do
Centro de Pesquisa e Formação. nº 12, jun/jul 2021, São Paulo, Sesc-sp, p.41-57.
https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/revista/edicao12.php?cor=verde.

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