Álbuns de Viagem no museu do ipiranga
No acervo do Museu do Ipiranga, encontra-se a Coleção Olga de Souza Queiroz que reúne, ao todo, 33 álbuns, sendo 5 álbuns de viagem montados e 28 álbuns impressos encadernados. Olga de Souza Queiroz (1888-1965), integrante da elite paulistana, fez várias viagens para Europa registradas em álbuns entre 1913 e 1952. O conjunto iconográfico foi doado, na década de 1960, juntamente com itens textuais, objetos de mobiliário, decoração, louças e indumentária.
Dos 5 álbuns de viagem montados, 3 são de fabricação francesa (Au Louvre e Établissements Galicher) e 2 de fabricação nacional (Leofer e Cartão-Photo Nacional). Destacam-se os álbuns intitulados “Europa 1913” e “Roma – Europa 1913-1924”, fabricados pelos Établissements Galicher, em Paris, ambos são especialmente chanfrados para o encaixe de cartões-postais, diferentemente dos demais, que precisaram do uso de cantoneiras para a fixação de fotografias ou cartões-postais.
o papel da PAISAGEM NOS ÁLBUNS de viagem
A paisagem na montagem de um álbum de viagem costuma situar itinerários e destinos visitados, funcionando como ilustração de enunciados temáticos. As paisagens urbanas articulam-se com retratos, reproduções de obras de arte, vistas internas ou até mesmo outras paisagens naturais ou rurais. Aos turistas eram oferecidos cartões-postais avulsos ou em blocos encadernados contendo séries temáticas de 10 ou mais imagens, que normalmente eram destacadas para integrar os álbuns ou também poderiam ser mantidos na íntegra, formando outros conjuntos colecionáveis.
Os processos fotomecânicos foram fundamentais para a massificação das imagens, suprindo vários circuitos, incluindo o de suvenires. A reprodução fotomecânica baseia-se na transferência de uma imagem captada fotograficamente para uma matriz, que depois de aplicada em uma prensa e entintada, possibilita a tiragem de milhares de cópias impressas. Entre os diversos processos fotomecânicos, destaca-se a predominância da fototipia, capaz de conciliar a fidelidade tonal próxima à fotografia, com o custo reduzido visando o consumo em massa de lembranças de viagem.
a paisagem no formato panorâmico
A paisagem sempre foi um gênero relevante no catálogo de grandes editoras europeias de álbuns de lembrança e cartões-postais. As novas práticas visuais proporcionaram a públicos ampliados, no conforto de seus lares, o conhecimento sobre localidades não visitadas. Nessa perspectiva, os formatos convencionais da fotografia não comportavam mais o potencial das cidades exploradas como locais de exibição. O formato panorâmico foi introduzido para dar conta dessa demanda de alargamento da visão.
Entre as editoras europeias que introduziram e impulsionaram o formato panorâmico, destacam-se: Braun & Cie e ND Phot. O fotógrafo francês Adolphe Braun (1812-1877), além de fundador da Braun & Cie, por volta de 1857, foi um dos pioneiros no uso da câmera pantoscópica Johnson & Harrison, uma das primeiras projetadas para tirar fotos panorâmicas, na década de 1860.
A partir de 1889, os irmãos franceses Étienne Neurdein (1832-1918) e Louis-Antonin Neurdein (1845-1914), proprietários da ND Phot desde 1885, também passaram a utilizar uma câmera panorâmica chamada cilindrógrafo Moëssard, inventada por Paul Moëssard (1845-1940), em 1884.
Outras editorias que publicaram postais no formato panorâmico e estão presentes na coleção Olga de Souza Queiroz: Jullien Frères, Grafos Madrid, Photoglob e A. Bourdier.
O retrato inspirado nos cartões-postais
A circulação massiva de cartões-postais ilustrados tem como um dos efeitos a cristalização no imaginário social, de tal maneira que os turistas tendem a reproduzir em seus próprios retratos, os mesmos pontos turísticos e até enquadramentos dos postais. Olga de Souza Queiroz esteve, por exemplo, entre outros roteiros europeus, em Chamonix-Mont-Blanc, na França, região fronteiriça com a Suíça e a Itália. Ela colecionou diversos postais da região previamente e durante uma viagem para o local, realizada em 1924, foi registrada com familiares tendo o Mont-Blanc como cenário de seus retratos. Situação semelhante aconteceu com a passagem de Olga por Roma, na Itália, entre outros exemplos.
A preocupação nessas séries, além do registro para rememoração posterior, também envolvia a validação da experiência turística. Por isso, mais importante do que uma fotografia bonita, era fundamental que a localidade visitada fosse reconhecida de alguma forma, tanto pelo fotografado (ou pelo autor da imagem), como por quem teria contato com os álbuns depois de montados. O compartilhamento dos álbuns de viagem era muito comum, principalmente, nas salas de estar das residências. A materialização das viagens em álbuns funciona também como ponto de partida para troca de ideias e práticas de oralidade, criando e alimentando redes de sociabilidade em torno de um suporte visual.
RETRATO ou PAISAGEM?
Como você classificaria a imagem ao lado?
Se tivesse que preencher uma ficha catalográfica, escolhendo um gênero fotográfico, entre retrato ou paisagem, qual escolheria?
A imagem interativa (ao lado) pode ajudar na solução da questão. Depois de analisar o primeiro slide, passe para o seguinte e com auxílio do ícone das lupas, explore os pontos de ampliação. Perceba que os detalhes da fisionomia das figuras humanas só podem ser visualizados com auxílio das ampliações microscópicas, o que faz com que a classificação como retrato seja descartada, levando-se em conta que os homens não são o motivo principal da fotografia. Considerando a série no álbum (abaixo), a legenda impressa e principalmente que a ênfase da imagem é a abrangência espacial da localidade atravessada pelo sistema funicular e não os condutores anônimos do veículo sobre trilhos, embora integrem o enquadramento sem serem protagonistas, a resposta correta é: paisagem.
Para saber mais sobre técnicas de impressão, visite a curadoria digital “As Imagens Vistas de Perto“.
Para saber mais
AQUINO, Lívia. Picture Ahead: a Kodak e a construção do turista-fotógrafo. São Paulo: Ed. do Autor, 2016.
https://www.dobrasvisuais.com.br/2015/10/picture-ahead-versao-digital
LIMA, Solange Ferraz de. A41. Breve história de um armário de doações e suas implicações. In: História: Questões & Debates. Curitiba: Editora UFPR, v. 61, n. 2, jul./dez., 2014, pp. 155-175.
https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/39014
MARTINS, Moisés. L. (Ed.). Os postais ilustrados na vida da comunidade. Braga: CECS – Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, 2017.
https://www.cecs.uminho.pt/publicacao/os-postais-ilustrados-na-vida-da-comunidade
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A paisagem como fato cultural. In: YÁZIGI, Eduardo A. (org.). Turismo e Paisagem. São Paulo: Contexto, 2002, pp. 29-64.
curadoria por:
Eric danzi lemos
Eric Danzi Lemos é doutorando em História Social pela USP, bacharel, licenciado e mestre pela mesma instituição. É autor de “Fotografia profissional, arquivo e circulação: a produção de Theodor Preising em São Paulo (1920-1940)“. Dissertação (Mestrado em História Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. ericdlemos@gmail.com.